sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O Servo

     Acordo assustado, relâmpagos iluminam o quarto todo enquanto a chuva dança ao som dos trovões, alguma coisa me perturba mas não sei ao certo o que, parece que estou molhado mas sem suor. Um clarão me deixa saber que a porta está aberta e agora sei o que me aflige, uma sombra se aproxima e quanto mais perto está mais imóvel eu fico, aterrorizado, petrificado, sem saudações adiantou-se:
     - Serei seu eterno servo se disser que sim, tudo o que deseja conseguirá por mim. Só há um preço a pagar, no fim.
     Perguntei qual era o preço, perguntei o que ele queria, mas não consegui nenhuma resposta a não ser a repetição do que me foi dito. De forma assombrosa eu sabia que era verdade que eu poderia ter tudo por ele, mas não conseguia entender como, estava apavorado e confuso, apenas pedi que fosse embora, e ele repetiu:
   - Se disser que sim...
     E eu disse... Sim! Sim! Sim! Suma da minha frente, desapareça! E consegui dormir, depois que meu corpo exausto de tanto tremer permitiu. Eu teria pensado que era um pesadelo não fosse o susto de acordar na manhã seguinte e ver aquela sombra em minha frente, senti um peso enorme, era como se eu estivesse preso, aquela figura impactava meu quarto.
     Fiz várias perguntas mas não consegui nenhuma resposta, refleti por alguns instantes e concluí que eu havia caído na armadilha do meu próprio medo, era dia, mas parecia noite, fiz um teste "Quero um café da manhã com tudo que eu gosto", e lá estava, inexplicavelmente surgiram doces e salgados, talheres e o café mais delicioso que eu já bebi. A brincadeira começou a tomar proporções cada vez mais exageradas a medida que eu percebia todas as possibilidades na minha frente, naquele espectro, n'Ele. Eu havia conseguido um servo eterno.
     Na escola, dentro da sala de aula, no recreio, no laboratório, na biblioteca e na saída, no almoço, nas tarefas e nos passeios, eu pedia a Ele as respostas do menino mais inteligente da turma, pedia a Ele que as meninas sonhassem comigo, pedia a Ele que meus projetos de ciência fossem os melhores. Sempre estava ao meu lado, era como se minha sombra tivesse outra perspectiva, nem incomodava pois nada falava, o tempo me fez acostumar. Vivi longe de tudo, da família e de todos, teve que ser assim pois as perguntas sobre a origem de tudo que eu tinha me irritavam, eles não entenderiam.
     Mudei para a cidade vizinha, e por lá vivi muitos anos, sem dificuldades, comprava de tudo, pois eu tinha Ele, não precisava de emprego, eu tinha Ele, todos os prazeres eu tinha, por Ele. Certa noite uma tempestade rugiu sobre os céus, estendi meu braço e disse:
     - Quero uma xícara de café...
     E lá estava, vivi inescrupulosamente minha vida até aquele momento, recebi uma ligação, minha mãe, que desconforto... Meu pai havia morrido, mas logo pensei... o servo!
     - Desejo que meu pai retorne, deixe a morte e junte-se a vida novamente.
     E Ele ficou lá, imóvel, intocável. Me irritei e pensei outra vez:
     - Sugiro uma troca, vá, descanse em paz, mostre o caminho de volta para meu pai, vá...
     ...
     Eu queria apenas que esse maldito espectro pudesse responder alguma coisa, ou ao menos explicasse porque alguns dos meus desejos ele não consegue realizar, ou não quer. Só existe uma coisa que pode aliviar minha dor agora, preciso voltar pra casa. Meia hora na estrada, naquela chuva violenta e por fim chego ao doce lar, vejo minha mãe e lágrimas falam por nós dois, vou até o quarto do pai e fico parado lá, a mãe lamentou algo mas eu não estava prestando atenção, passo pela casa toda, mãos trêmulas, camisa molhada e o rosto abatido, nostálgico, distante, pensando sobre eu mesmo, que homem patético, frustrado e irreparável me tornei o último quarto, não menos importante era o meu, abro a porta e um frio toma conta do meu corpo, vi um menino deitado em minha cama, apavorado, foi estranho ver um estranho me estranhando, quanto mais me aproximava mais terror parecia causar nele, cheguei mais perto e disse:
     - Eu não conheço você, mas deve ser da vizinhança, a chuva está muito forte lá fora, você conhece minha família?
     Ele disse que sim.
     Assombrosamente lembro de ter tentado dizer isso mas as únicas palavras que realmente saíram da minha boca foram estas:
     "Serei seu eterno servo se disser que sim, tudo o que deseja conseguirá por mim. Só há um preço a pagar, no fim das contas."
     Ele disse que sim.

                                                                                                                                                - Patrick K.

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